Queda do império romano

 

As ruínas de que o Ocidente brotou

Walter Scheidel, pesquisador de história antiga da Universidade Stanford, publicou há algumas semanas um curto ensaio na revista aeon em que sublinha o papel decisivo do esfacelamento do Império Romano para o sucesso do Ocidente séculos depois. Confira o tamanho da provocação e do exercício de imaginação histórica:

“Se o Império Romano tivesse persistido, ou sido sucedido por uma potência acachapante similar, nós estaríamos com toda a probabilidade ainda arando os nossos campos, a maioria vivendo na pobreza e amiúde morrendo jovens. Nosso mundo seria mais previsível, mais estático. Seríamos poupados de parte das tormentas que nos assaltam, do racismo sistêmico e da mudança climática antropogênica à ameaça da guerra termonuclear. Então, novamente, estaríamos às voltas com antigos flagelos –ignorância, doença e necessidade, reis divinos e escravidão. Em vez da Covid-19, estaríamos enfrentando a varíola e a peste sem a medicina moderna.”

Scheidel tem uma notável sequência de publicações sobre demografia, economia, poder e aspectos comparativos de sociedades antigas. Num trabalho de 2009 com o colega Steven Friesen, procurou estimar o tamanho do que poderíamos chamar de classe média no apogeu do Império Romano, em meados do século 2, quando se calcula que 70 milhões de pessoas viviam sob o jugo da potência do Mediterrâneo.

Foi com o livro “The Great Leveller” [a grande niveladora], de 2017, que Scheidel se tornou mais conhecido fora do circuito dos classicistas. A versão brasileira, de 2020, preferiu o subtítulo da original —“Violência e História da Desigualdade – da Idade da Pedra ao Século XXI”–, mais elucidativo sobre a ambição das suas mais de 600 páginas.

Em suma, ele argumenta que a desigualdade é prima-irmã do crescimento econômico desde o advento das primeiras sociedades especializadas na agricultura, há cerca de 12 mil anos.

A hierarquia e a concentração de renda, poder e riqueza estão documentadas por exemplo nos achados arqueológicos em Varna, cidade banhada pelo Mar Negro na moderna Bulgária. Uma única tumba, provavelmente de um chefe, acumula mais de 25% de todo o ouro encontrado em mais de 200 covas, numa necrópole que data da Idade do Cobre, cerca de 6.500 anos atrás. A iniquidade na distribuição do ouro naquelas paragens, numa época de avanços da metalurgia, pode ser traduzida num índice de Gini de até 0,77.

E o que reduz a desigualdade? Segundo Scheidel, apenas processos de extrema e ubíqua violência –como epidemias, guerras e revoluções com vasta mobilização populacional, além de implosões do poder estatal– conseguiram reverter a marcha da desigualdade e ainda assim por tempo limitado. O engenho político –a educação, a democracia e as reformas sociais– tem milenarmente falhado na tarefa, segundo o historiador de Stanford.

No ensaio para a aeon, Scheidel acrescenta outro salto interpretativo à sua coleção. A fragmentação duradoura que sucedeu ao colapso da Roma ocidental ajudou a produzir a pujança da região, mas o processo desenvolveu também ameaças e mazelas de outra ordem. É uma palinha de seu livro mais recente (2019), “Escape from Rome: The Failure of Empire and the Road to Prosperity” [fuga de Roma: o fracasso do império e o caminho para a prosperidade].

Não é  original a ideia de que a competição entre pequenas nações vizinhas pouco poderosas, em guerra frequente entre si, favoreceu um certo controle do despotismo, além da inovação e da prosperidade econômica, no oeste europeu. Joel MokyrRobert Paul Thomas e Douglass North, entre outros, já haviam explorado essa trilha.

Scheidel talvez o faça com uma dose extra de ceticismo. Se você quer progresso, vai ter de lidar com problemas novos, complicados, que fazem parte do pacote e são de difícil mitigação. Não quer progredir? Então fique com os problemas antigos, que também não eram bolinho.

Não se pode ter tudo. Nunca. Haja espírito de porco!


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